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Crónica de sonho de um sonhador crónico

30 Outubro 2015
Crónica de sonho de um sonhador crónico
Opinião
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Ele corria no mesmo sítio. Parado. Como se houvesse um tapete rolante no sentido inverso. Avançava muito pouco, apesar do esforço. Ela abanava os braços encolhidos como se os seios estivessem aos saltos e corressem o risco de fugir. Dava passinhos pequenos e lentos, ora em corrida, ora em marcha. Ele continuava em grande ritmo sem sair do sítio. Não podia abandoná-la, mas também não queria deixar de fazer exercício.
Era óbvio que ele já tinha feito cross, jogging, running, outdoor, ou outra palermice em inglês que signifique, basicamente, correr. Estava-lhe projectado na forma física, mas também no equipamento usado. Ela amava-o muito e queria começar a correr com ele. Só isso. Fazer coisas com ele. Era evidente na falta de preparação, na sua movimentação quase ridícula, não fosse a honestidade com que o fazia, e no equipamento reluzente de tão novo. Ele amava-a. Só queria correr, mas sabendo que ela desejava partilhar esse momento, lá ia ele correndo energicamente no mesmo sítio. Como se estivesse a apagar o fogo do tecido que lhe forrava a boa vontade.
Vi-os junto à linha de metro. Voltei na primeira rotunda para perceber se aquilo se manteria pelo menos 5 minutos. Mantinha-se. E manteve-se mesmo quando pela terceira vez passei por eles. É possível que se mantenha eternamente. Eu tinha muito que fazer. Mas não podia ficar indiferente ao amor. Observá-lo é maravilhoso e ajuda a senti-lo. Ajuda, sobretudo, a percebê-lo, ou a tentar percebê-lo. Frequentemente, ele é apenas essa disponibilidade para tentar percebê-lo. Mas, agora, tenho a certeza que o amor é muitas vezes correr sem sair do sítio, só para que aquele que amamos corra um dia ao nosso lado, ou corra connosco, mas que o faça livremente. É a prisão de libertar o outro e nunca a liberdade de o aprisionar. Isso é o amor.

Sermente in Um Amor Que Parecia Não Correr Bem