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A sopa dos pobres e os pobres da minha rua

29 Outubro 2015
A sopa dos pobres e os pobres da minha rua
Opinião
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Hoje não preciso de ti, obrigado, mas quem sabe se um dia não precisaremos um do outro?!
Dito e escrito desta maneira, não será fácil ao leitor interpretar estas palavras que, há cinquenta e cinco anos dizia um amigo para outro, depois de durante muito tempo esse amigo lhe “matar”, de vez em quando a fome.
É que, hoje dizia o primeiro, vou ao asilo buscar a “sopa dos pobres”, o senhor “ministro” mandou recado aos meus pais para não se preocuparem mais em “pedir comer”, para eles e para os filhos. É sempre bom lembrar que, a distribuição da sopa aos pobres de Vila do Conde foi instituída no ano de 1955 (curiosamente no ano em que nasci).
Esse outro, rapazinho nesse tempo como eu e que não precisava da ajuda para comer, chutou comigo bolas no Rio Ave, deambulou por esse mundo fora, em busca da sorte, e, quando a vida lhe sorria, entregou-se à morte que o chamava. Droga maldita não te perdoo!
Durante muito tempo, acompanhei rapazes e raparigas da “minha” rua ao asilo, àquele monte altaneiro, onde, uma casa “franciscana” abria as suas portas p’ra “matar” a fome a tantos vilacondenses.
Como me custa ver alguns desses meninos e meninas de ontem, homens, mulheres e avós de hoje, voltarem a um lugar onde nunca deveriam ter ido.
Ai se alguns envernizados e envernizadas se lembrassem do que foram, do que passaram, “do comer” que não tinham, do vestir e do calçar que as “senhoras” mandavam buscar, dos piolhos que não se livravam deles, senão com uma “carecada”!
Ai rapazes do meu tempo, (alguns claro) que em carros passeais, em bons restaurantes comeis, em bons prédios vos recolheis e em boas lareiras vos aqueceis! Ai homens e mulheres de hoje, se pararem por momentos e se pensarem por instantes, então, lembrar-vos-eis desses meninos e meninas do nosso tempo, que hoje em 2015, em pleno século vinte e um, muitos deles e delas têm vergonha de espreitar à porta, porque a janela há muito partiu as dobradiças!
Hoje, ainda bem que há instituições que espreitam e dão desafogo a esta pobreza “encapotada”, pois, caso assim não acorressem, quantas almas inocentes e penosas, estariam a sofrer, no seu corpo e na sua mente, a irresponsabilidade de quem se diz ter a noção da responsabilidade.
Ai bois, bois, se um dia chamarem pelo vosso nome, até o carrilhão da Matriz se irá desconchavar, pois, o veio que suporta os sinos está tão enferrujado que até tenho receio que caiam abaixo da torre sineira, com a vergonha de tanta ferrugem, quis dizer hipocrisia.
Ainda bem que o asilo de São Francisco de Assis e outras instituições continuam a matar a fome e a dar guarida àqueles a quem a vida foi madrasta e ali encontraram um refúgio para se abrigarem em “paz e bem”.
Finalmente, àqueles que nasceram num lindo “berço de ouro”, e outros que em cesto de vime, ouviram as primeiras letras numa “escola protegida”, não pensem que o céu é para todos e a terra só para alguns.

Artur Bonfim